A pergunta da terapeuta desconcertou sua cliente naquela manhã. Atônita em pensamentos, Ana quis responder a provocação com uma resposta pronta, suficiente para aliviar a tensão do desconforto que a paralisou. Ela pensava ter certeza de muitas coisas, mas ultimamente algo havia mudado, estava insegura, triste, em especial no seu relacionamento.

A exaustão emocional do último divórcio levou essa mulher independente de trinta e poucos anos a buscar ajuda. Dona de uma agenda profissional cheia e com filhos pequenos, ela tentava equilibrar sua vida e sua nova paixão tão instável quanto inesperada.

Na mente remoía uma frase infeliz dita por seu parceiro na noite anterior, foi um encontro desastroso, de sexo mediano e algumas desavenças. Antes de partir aborrecido, seu caso indefinido deixou no ar uma afirmação: – Ana, você simplesmente não sabe o que quer e ainda não percebeu isso! Ouvir essa frase perfurou o seu coração tão fácil como pegar no sono em noites tranquilas, magoando-a profundamente.

Naquela manhã, durante a terapia, Ana lembrava quantas vezes tinha conversado com ele sobre seu desejo em estabelecer uma relação sólida, porém ele a confundia com suas idas e vindas. Essa falta de constância e reciprocidade a destruía aos poucos. Já fazia quase um ano que ela transitava em alguns ambientes de trabalho e lazer do seu amado, mas ele se esquivava e a relação não avançava com naturalidade.

Apesar dele admirar a sagacidade e inteligência de Ana, amá-la não estava nos seus planos, apenas vivia o momento. Assim, Ana revivia uma solidão a dois que lhe era familiar.

Naquela sessão a terapeuta lhe confrontou: “Ana, será que você percebe que sua postura assertiva através das palavras não tem refletido nas suas atitudes consigo mesma? Você fala uma coisa, mas recebe outra e aceita? O que você quer afinal?”

Foi a chave que Ana precisava. Lá no fundo ela sabia que se doava demais, tentando consertar a relação para não lidar com o fim.

E então? Gostaram do texto? É uma narrativa recorrente, vocês não acham? Vamos refletir?

 

PARTE 2 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

 

Em geral cada pessoa adulta estabelece alguns critérios quando começa a se relacionar amorosamente com alguém. No caso da personagem Ana, parece-me que todos os critérios sobre o desejo de reciprocidade e de uma relação sólida foram falados, mas na prática, desconsiderados. A virada da chave para ela se deu quando em terapia percebeu essa disparidade.

E por que isso acontece? Eu diria que em períodos de fragilidade emocional a chegada de um novo parceiro traz grande alívio à angústia humana. Projetamos nossa felicidade nessa nova relação, colocamos no outro esse dever de nos fazer felizes, por isso muitas pessoas migram de uma relação para outra. Não por falta de critérios, mas por medo de ficarem sozinhas. A presença do outro nos conforta. Temos a lista de pré-requisitos na mão, mas muitas vezes preferimos rasgá-la, pois qualquer análise mais sincera, livre de apegos, nos levaria ao confronto do fim.

Ana sentia uma necessidade neurótica de mudar o outro. Acreditava que fazendo algumas melhorias e com o seu beijo especial, uma hora tudo iria se encaixar. Ignorava as características reais do seu parceiro, mas o que ele lhe ofertava não a supria. O que mantinha esse relacionamento era o seu medo de ficar sozinha, algo extremamente complicado para ela. Entretanto, ele, por sua vez, sabia manter distanciamento emocional e ditava a relação, já que ela não tinha forças para se impor. Ana havia sofrido muitas perdas, estava à deriva, sendo náufraga de si mesma, refém das correntes inconscientes do seu próprio autoengano.

Lembre-se que quando nos diminuímos para nos encaixarmos em algo sem reciprocidade estamos estabelecendo um lugar de desconforto, igual sapato apertado, que geralmente tem a ver com dificuldades relacionadas à baixa autoestima e ao medo da rejeição. É exatamente assim que muitas vezes permanecemos infelizes em lugares e relações falidas, projetando para a fantasia a responsabilidade de diminuir a distância entre desejo e realidade. E vocês que me leram até aqui, já sabem o que realmente querem? Quais processos de autoengano e autossabotagem habitam em vocês e como refletem nas suas relações?

Sejam ousados, mergulhem na reflexão e colham os frutos de suas coragens.