Catiuza VIana

Rigidez, medo e sofrimento

O assunto da rota de hoje é denso e quanto mais rígido por fora, mais fácil de quebrar por dentro.

Eu penso que ninguém gosta de se reconhecer rígido ou engessado em alguma área de sua vida. Você não acha? Por exemplo, o que você está pensando em mudar e ainda não consegue por medo do que os outros vão falar ou por medo de fracassar? Isso te causa angústia e sofrimento, não causa?

Pois bem, fato é que quanto maior a rigidez, maior a incidência do medo e do sofrimento frente à necessidade de mudanças ou fatos inesperados. Pensem no exemplo de uma criança que vai tomar uma vacina, a dor da furada da agulha é inevitável, mas se ela deixar o braço rígido no momento da aplicação que causa dor, o seu sofrimento será muito maior.

Enquanto que a experiência da dor, quando encarada com naturalidade te deixa mais forte, mais resiliente. A combinação psíquica de dor e rigidez causam sofrimento duplo. Quanto mais rígidos somos, mais nos angustiamos quando precisamos de mudança, além disso, romper padrões e se adaptar aos acontecimentos inesperados se tornam ainda mias difícil. Dar novas respostas adaptáveis e criativas é uma atividade ardua quando enfrentamos um processo de extrema rigidez mental.

Pessoas rígidas e inflexíveis estão por aí em qualquer lugar, seja na família, na escola, no meio do seu ciclo de amizades, no trabalho. São, em geral pessoas difíceis de lidar, são ritualísticas, intolerantes com os pequenos erros ou atrasos, repetem os mesmos discursos interminavelmente, falam das glórias passadas porque já não conseguem novas conquistas. Eu diria que são chatas de conviver, mas por outro lado costumam ser leais e irritantemente previsíveis; seus padrões de reação são sempre os mesmos, voltado à rotina, controle e estabilidade.

Essas pessoas vivem pautadas por um modelo mental que elas mesmas estabelecem através de condutas do que é certo ou não fazer e segue à risca a mesmice. É assim que a energia criativa deles se perde, em especial quando encenam personagens, gerenciando mentiras para serem aceitos e validados de algum modo em algum grupo social. Os papéis se confundem e o gasto emocional para fingir ser quem não são em essência os desgasta. Não é à toa que esse perfil vive às voltas com sintomas neuróticos de repetição e em casos mais agravados, até persecutórios.

Na outra ponta desse espectro, quando a lente da rigidez se afasta e você se permite viver sua verdade mais autoral, não precisa preocupar-se com as máscaras que você criou em torno de si mesmo. Você simplesmente é você em toda autenticidade e em qualquer situação. A angústia de fingir o tempo todo acaba.

Para criar ou modificar um comportamento, é preciso estabelecermos um esforço inicial. Quando começamos uma atividade física ou a leitura de um livro, no início empreendemos um esforço consciente, mas aos poucos internalizamos a conduta e vamos tornando esse esforço em um hábito. Precisamos anotar no início para lembrar, mas nada que não evolui de obrigação dificilmente perdura. Só a obrigação não é suficiente para garantir que um novo hábito seja estabelecido com sucesso.

Somos aquilo que repetidamente fazemos e soma das pessoas com as quais convivemos. Existe uma bolha que aproxima os iguais e afasta as divergências. Todavia, a abundância que te acrescenta e te expande não está no campo dos seus iguais. Rigidamente falando, a repetição constante das mesmas rotinas, a convivência com as mesmas pessoas, os mesmos programas e as mesmas conversas fúteis não te acrescentam novos pontos de vista nem te desafiam a lidar com a diversidade. Como diz o ditado: “toda unanimidade acaba burra e te empobrece, pois é na riqueza do controverso que se abre espaço para crescimento.”

A repetição continuada das mesmas escolhas pode até ser confortável e segura, e é claro que a vida órdinaria do dia-a-dia precisa de alguma organização e rotina, mas é a vida extraordinária que você vivência nos teus momentos de ócio. É nos intervalos que a vida realmente acontece e te expande como ser único em desenvolvimento. É aqui nesse lugar que eu vejo a graça de viver.

Quando aprendemos coisas novas e somos surpreendidos pelas diferenças, pelo amor inesperado de pessoas que nem imaginávamos ou mesmo pela falta dele naqueles que vivem ao nosso lado, fechados em seus mundos egoístas. Tudo isso, sejam novidades positivas ou limitações das pessoas ao redor, nos desafia a traçar novas estratégias de conversa e convivência. É isso que mantém a vida interessante e saudável. Na selva, tudo é imprevisível, a chuva, o sol, os animais selvagens, quem tiver o melhor índice de técnicas de sobrevivência em ambiente hostil, certamente, sairá vencedor desse desafio.

Vocês já assistiram aquele programa de tv que um casal é deixado pelado na selva com poucos recursos? A grande maioria desiste por problemas relacionais com o parceiro na selva. Eles até lidam com a fome, com o frio e com a sede, mas quando entra rigidez e inflexibilidade entre eles as acusações começam e alguém sempre desiste. Percebem que é o outro ao teu redor que te tira da concha, te sacode e faz repensar o que de fato vale a pena nessa vida e com certeza só quem abre mão do controle e da rigidez absoluta pode viver essas experiências de aprendizado com maior profundidade.

A maturidade revela um indivíduo mais despido de certos pudores e mais autoapoiado que não vive em função das críticas, muito menos foge por medo de não conseguir seu objetivo. A segurança interna de seu próprio valor é sua âncora de estabilidade. As fugas só acontecem quando ainda não estamos preparados para uma mudança interna mais ampla e, então, insistimos em terceirizar culpas ou desculpas, com medo da dor, sofrimento por antecipação, neuras, paranóias etc.

Deixo aqui um desafio pessoal de questionar sua própria rigidez e em quais áreas ela mais te atrapalha. Lembre que os melhores tesouros precisam ser procurados, além de escavar suas camadas mais rígidas no lugar certo dentro da nossa própria consciência, o que faz toda a diferença. E não esqueçam que não adianta procurar o tesouro no terreno do vizinho quando o mapa do tesouro está dentro do seu quintal, é só você decifrá-lo.