Sempre achei o pôr do sol tão poético quanto piegas. Aquela velha cena de romance previsível que deixa todo mundo alegre, triste ou nostálgico, mas eu sei que pode ser apenas a amargura de quem já teve seus momentos difíceis atuando. Eu confesso que posso ser meio ranzinza e, às vezes, até injusta com as belezas da vida, mas não o serei agora, não desta vez.
Meu último entardecer foi num domingo à tarde, estava na praia. Nossa! Foi especial, até mesmo para mim! Nas minhas imagens mais secretas, o pôr do sol me lembra que, a luz que traz consigo o calor do sol indo embora, anuncia a chegada da noite escura que se aproxima inevitável. Talvez eu tenha medo e fico meio emotiva nesse espaço de espera e mistério entre o dia e a noite.
Domingo pude assistir esse momento à beira mar, por sobre as águas cheias de melancolias, pintadas com os fios mais dourados e brilhosos que o sol poderia me ofertar. No íntimo, sentia-me meio triste e solitária, ignorava, a princípio, as pessoas ao meu redor. Interagia com os familiares meio que de maneira automática, sem muita empolgação, mas na alma, estava grata por minha própria companhia naquele cair da tarde. Eu sentia as areias molhadas sob meus pés descalços, como sempre gosto de estar, abri uma cerveja geladinha e me pus a caminhar com os olhos no horizonte. O sol se punha lento e depois rapidamente, no devido tempo determinado pelas leis naturais que o governam.
Eu me sentei numa parede de corais não muito longe, tomei uns goles de cerveja, tentando aplacar meus dissabores mais recentes e, de repente, fui arrancada da minha introspecção por um barulho familiar. Era um sino conhecido, ouvia baixinho, ainda meio distante, aquele som tocava minhas memórias infantis e fui levada pelo sino do carrinho de picolé ao sabor das garrafinhas de morango geladinhas e doces dos meus dias de criança. As mais ternas lembranças e memórias infantis foram ativadas, pude sentir o deleite infantil de outrora; já adulta, isso me amoleceu.
Fiquei olhando o carrinho passando e o sino mais forte me despertava para outras cenas ao redor. Fiquei maravilhada com tantas coisas que eu, até então, não conseguia ver ou desfrutar. A poucos metros dali um pai ajudava seu filho pequeno e franzino a cavar sua piscina na areia. O moleque corria e retornava com sua sunga de super-herói folgada na parte de trás, como se não tivesse bumbum suficiente para encher de tão magrinho. Ele sorria e abraçava seu protetor. Feliz, brincava preenchido de amor, afeto e companhia. Eu me alegrei com ele.
Aos poucos comecei a perceber tantas rodas de amigos e familiares conversando; das patotas mais alternativas de baseado na mão sem muito rodeio, até os grupos mais tradicionais. Casais estavam ao mar, vivendo suas cenas românticas de amor e promessas, beijos e carícias enquanto o sol abaixava de fininho indo dormir e descansar.
Quantas vidas e histórias ali mergulhadas no mesmo momento lado a lado, cada um vivenciando ao seu modo a eternidade do momento daquele entardecer que se vai, mas deixa em nós sua marca. Como quem fotografa a vida sendo vivida e o sopro dela transbordando em nós, todos em seus devidos lugares, acolhidos, aquecidos por tanto sentimentos. Fui alcançada pelas histórias que observava e ouvia ao meu redor, enquanto a brisa do mar acariciava meu rosto como as mãos de um grande amor nunca esquecido! O tempo parou por alguns minutos, não sei dizer quantos, e me vi completamente tomada pelo sentimento de paz e gratidão.
Fui capturada pelo momento e ali permaneci quietinha o máximo que pude, ainda com os pés molhados na areia. O sol se foi de fininho, deitou-se no horizonte e a noite não parecia mais tão assustadora como antes, veio chegando graciosa. Eu tenho sido muito dura comigo e ali por aqueles instantes, abracei-me acolhida em meus próprios braços e sustentada por minhas próprias pernas, senti-me confortada. Era como se a energia da terra, a leveza da água e o vento carinhoso em meu rosto tivessem me renovado a certeza da paz interior que me traz esperança, e que nem sempre encontro facilmente. Alegrei-me comigo e com as demais pessoas ao redor e não conseguia deixar de ouvir suas falas e perceber algumas histórias especiais acontecendo bem ali.
Na mesa ao lado, eu via um casal, não sei se eram namorados ou amigos, a moça era jovem, corpo escultural e sorriso branquinho, traços femininos e delicados, vinha chegando do mergulho, colocou sua saída de banho, penteou seus cachos ao vento enquanto seu companheiro a observava feliz. Ele era magro, alto, tinha um autorretrato tatuado na perna direita e um bigode bem desenhado de pontas mais finas. Ela penteava o cabelo delicado enquanto ele lhe dirigia uma fala que eu senti como verdadeira, ele disse com voz firme e amorosa que sempre que ela precisasse espairecer, precisasse da sua companhia, ele estaria lá, propiciando a ela esse momento, que ela podia contar com ele e pedir, que era um prazer vê-la feliz e radiante ao sol.
Eu já estava emotiva observando com discrição aquela cena, quando ele, então, nos surpreendeu e pegou a câmera do celular e disse que iria registrar como ela estava radiante naquela tarde. Ambos levantaram procurando o melhor lugar e o melhor ângulo para o registro de tamanha beleza, não só do lugar ou dela, mas da riqueza do momento vivido entre eles. A alegria da bela moça cujo nome não se sabe, em minha descrição, pousava na linha azul do horizonte junto ao rapaz, moldurados pelos coqueiros, enquanto ela dançava e cantarolava a música que ouvia da caixinha de som. Levantava os pés suavemente, um após o outro e balançava seus braços embalados na felicidade de se sentir livre e completa naquele lugar. Tudo registrado pela gentileza das lentes do rapaz que parecia de fato se importar.
Outra cena que me tomou o fôlego foi a da senhora de meia idade, por volta dos seus cinquenta e poucos anos, pele branca e bem conservada, ela arrumava seu cabelo curto e ondulado preso pelo seus óculos de sol em cima da cabeça e se sentou na areia bem ali na minha frente para fotografar. A moça que dançava ao lado e estava fotografando acabou tirando ótimas fotos dela e ofereceu enviá-las. Achei muito legal como elas interagiram, uma feliz com os registros da outra, e estava claro que tinham acabado de se conhecer.
Mas, voltando a senhora de meia idade, ela estava rodeada de amigos completamente animada e embalada pela nostalgia da música “Menina Veneno” que foi tocada aleatoriamente por algum ambulante que passava vendendo seus produtos e levava sua caixa de som na mão. Ela ria lembrando que escutava aquela música 40 anos atrás, ainda quando jovem. Surpreendi-me totalmente quando ela encheu suas duas mãos de areia e mostrou a sua amiga, acho que eram primas, e disse com os olhos fixos em tom de promessa: “Da minha terra eu saí e para minha terra voltarei, eu juro pela minha mãe Dona Inácia, que não está mais entre nós!”. A cena terminou em um abraço comovente. Meus olhos marejaram porque eu conhecia aquele desejo do retorno, uma alusão clara ao seu desejo de voltar a sua cidade natal, às suas raízes. Eu tive o privilégio de poder retornar e me conectar com o seu desejo e emoção.
Foram tantas experiências em um único entardecer que mesmo a fala irritante do garanhão do bar, contando vantagens aos amigos sobre suas aventuras e conquistas sexuais do final de semana, não conseguiram me aborrecer. Na verdade, eu ri pensando quão tacanha e medíocre é o universo da sua mente em seu mundo infantil e fútil. Sua fala machista era um exemplo claro de como ainda temos a evoluir até que os homens sejam educados a ver de maneira respeitosa uma mulher, para além de seu objeto de desejo temporário. O gozo daquela fala não se encaixa em nada aos meus desejos, fiquei enojada, entretanto, sorri empática e paciente com seu discurso tão vazio. Ele estava feliz, saciado, preenchido pelo próprio ego, que não sei nem como conseguia carregar.
Percebam que todas as tribos, todos estavam incluídos e acolhidos ao mar que a todos recebia com a pureza da vida que pulsa em nós e muitas vezes sequer conseguimos desfrutar por sermos tão robóticos, ocupados, apressados em julgar ou em aparecer, nos desconectamos e não percebemos tamanho desperdício. Naquele entardecer, a praia era de todos, cada um tinha seu lugar na cena, abençoados pela mesma oportunidade.
Talvez para alguns que ali chegaram, enfrentando alguma desavença ou frustração, aquele entardecer não tenha sido tão bonito, mas eu rezo para que retornem, assim como as ondas do mar se expandem sobre a terra e depois se recolhem. Eu sei que as ondas da ressaca violenta vão passar e sempre teremos uma maré baixinha e calma para apreciar.
Eu me levantei do coral de pedras, sacudi a areia e estava agradecida, espírito leve, pés firmes e olhos confiantes. Eu sei que a vida é mais hostil e difícil aqui fora, mas dessa vez eu trouxe comigo o mar e aquele entardecer para me ajudar.