Catiuza VIana

NORMALIDADE E SAUDE MENTAL

O mês é janeiro, o ano é 2024, passaram-se 30 dias desde o ano novo. Apenas mais uma data de tentativas de execução das promessas anuais inglórias repetidas na minha vida, porém, esta data, 30/01/2024, guarda um detalhe epistemológico intrigante; um marco temporal socialmente relevante se estabelece com meu retorno ao labor, afinal, o fruto do trabalho é o que dita a normalidade de uma vida aceitavelmente produtiva.

Sinceramente voltar ao meu universo organizacional depois de uma temporada emocional devastadora, não é algo tão simples, como voltar de umas férias. Sinto que todos me olham e me observam, eu preciso provar que ainda posso dar resultados, algo que comprove ou evidencie a minha sanidade em termos práticos, sair do stand bye e do total blecaute PSÍQUICO, um off de uma crise E AGORA ligar novamente o on do mundo dos negócios, é preciso reproduzir utilidade.

As pessoas, sem exceção, familiares, amigos, gente próxima ou mais distante, todos me perguntaram o mês inteiro se eu já estava trabalhando! Eu sentia uma raiva enorme a cada indagação, em todos eu sentia uma cobrança velada e ironicamente sutil, do tipo: Por que você ainda não voltou pro banco? Por trás eles pensam: Será que ela ainda não está normal o suficiente? Foi pouco tempo de internação ou ela está enrolando de propósito? Todas essas falas ou pensamentos subliminares retratam claramente a frieza de uma sociedade de livre mercado, onde produzir e consumir define sua importância ou funcionalidade social. Sua inserção na sociedade como ser saudavelmente normatizado dentro do sistema tem que trabalhar e ser útil.

Quando algo acontece com o frágil humano que habita em cada um de nós, muito embora soterrado pela capa de superpoderes produtivos, sua doença física ou seu sintoma emocional complexo, se instala sem aviso prévio suficiente, você apenas se vê aprisionado no limbo da sua própria gaiola improdutiva, isolada e incompreendida. É a própria mente adoecida que todos desvalorizam de certo modo, porque temem o próprio futuro.

Pasmem, não importa o quanto você já dedicou ao sistema e nem o quanto isto te adoeceu no processo alternativo de buscar a si mesmo, sinto informar que a normalidade do sistema de produção que nos cerca e nos aprisiona, desenquadrou você da bolsa de apostas. Inútil e adoecido somos apenas ignorados… produtos danificados sem garantia, um ferro velho humano que poucos procuram visitar.

Não por acaso escolhi o término desse mês de janeiro, alusivo a saúde mental, porque me questiono se uma sociedade que precisa de datas e períodos específicos para lembrar de cuidar de temas emocionais tão importantes quanto esse já não se encontra adoecida na origem de sua própria preocupação. Não deveríamos precisar sermos lembrados de nos cuidar, tão pouco medir nossa saúde mental coletiva pela nossa demonstração, ainda que superficial ou aparente, ao ajuste a funcionalidade social do trabalho.

Olhar para as misérias humanas, para um mundo devastado pela falta de propósito ou sentido, onde a fuga da realidade é mascarada ou escondida é o que de fato precisamos fazer. A escuta do que não se normaliza fala muito mais da normalidade em minha opinião e experiência pessoal. As relações falidas, toxicas, desequilibradas, nos ensinam muito mais sobre saúde do que as máscaras que nos impomos socialmente para nos adequar ao que se espera de nós, as ditas pessoas de bem, ajustadas e tolhidas de sua própria autenticidade.

A sensação de bem-estar ou de felicidade constante baseada na sociedade de consumo e nas conquistas ou bens nos torna vazios e tolos. Humanos descartáveis vivendo de metas temporárias, relações líquidas, carentes de solidez e resiliência. Uma geração que não tolera uma internet lenta, só enxerga seus próprios interesses, não respeita a natureza e tem sido em troca também desrespeitado por ela.

Pagamos o preço de nossa própria irresponsabilidade com a nossa saúde coletiva, os quadros de adoecimento se proliferam, mas infelizmente a cura consiste em dar funcionalidade ao sistema devolvendo a utilidade das pessoas ao mercado de trabalho. Os parâmetros do que de fato determina uma pessoa saudável deveria passar mais perto dos seus propósitos e crenças mais profundos e não dos papéis sociais impostos como normais. E você? Como vai sua normalidade?…